Até meados de março, todos os sábados a rotina do casal Ernani e Alcema Seibt era semelhante. Após acordar, tomar café e realizar a rotina diária de tratar os animais, o almoço saía mais cedo, por volta das 10h30min. Após, escolhiam a melhor roupa, colocavam o sapato e atravessavam a ponte sobre o arroio Isabel e na estrada principal, esperavam o ônibus que os levava para as festas da Terceira Idade.
A rotina foi interrompida em março deste ano devido à pandemia do coronavírus. Seibt, 81 anos, é o presidente do maior grupo da Terceira Idade de Venâncio Aires, o Böhmer-Kreis, de Linha Isabel. Hoje, são 104 sócios ativos no grupo. “Era sempre uma alegria ver os amigos, a gente já se divertia no caminho”, relembra ele, ao se referir aos percursos de ônibus.
O calendário na porta da cozinha é uma das lembranças da última festa do grupo. “Aqui está marcado, dia 11 de janeiro foi nossa festa, uma tarde bem quente. Dia 2 de março nosso último encontro do grupo, nossa última reunião”, lamenta o aposentado. A Prefeitura suspendeu os tradicionais bailinhos no dia 13 de março.
Seibt tem na memória as recordações da última festa. “A gente se divertiu tanto. Tinha 22 grupos na Linha Isabel. Que saudade”, frisa. Além das festas, Seibt cita a saudade das reuniões do grupo. Mensalmente, todos os sócios se reuniam para comemorar, preparavam um almoço comunitário, jogavam carta, bolãozinho. “Nossas reuniões já eram uma festa. A gente sempre tinha aquela vontade de ir lá e rever os amigos.”

Atualmente, Seibt teve que buscar alternativas para matar a saudade dos bailes. Na cozinha, um rádio com tocador de CD faz companhia, além do fogão à lenha. “Agora o jeito é escutar as bandinhas em casa”, lamenta. Além disso, a rotina está baseada no capricho com o pátio e horta. Em frente à residência, do outro lado do arroio Isabel, Seibt cultiva batatinha, batata-doce, repolho, cebola. “A terra é meu passatempo. O lugar que me distraio, que esqueço da pandemia.”
Além dos afazeres rurais, Seibt dedica carinho e atenção à esposa Alcema, que está com alguns problemas de saúde e dificuldades para se locomover. Antes da pandemia, a rotina das festas era vivida intensamente pelo casal.
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Compromisso
O colecionador de pôsteres de títulos do Grêmio foi presidente por sete anos do grupo da Terceira Idade de Linha Isabel. O Böhmer-Kreis foi fundando em 1º de maio de 2006. Agora, já faz quatro anos que Seibt assumiu novamente o compromisso de ser presidente do grupo.
O agricultor aposentado lembra com carinho das inúmeras festas que já participaram. “A gente sempre sai cedo, às 11h30min o ônibus já começa o roteiro. Mas estamos cedo em casa. As tardes de sábado sempre foram dias de alegria e muita dança”, relembra. Além das festas, as reuniões e encontros com amigos fazem falta.
“Tenho muitos amigos em tudo que é canto. Isso me faz muita falta. Dá muita saudade. Faz falta me reunir com o povo.”
ERNANI SEIBT
Presidente do Grupo da Terceira Idade Böhmer-Kreis

Bailes da Terceira Idade são momentos de sociabilização
Os bailinhos, sejam eles na cidade ou interior, são sinônimo de movimento, de danças. Em Venâncio Aires, na maioria das vezes, é o som de bandinhas alemãs que agita as tardes da terceira idade. Conforme a psicóloga Silvia Virginia Coutinho Areosa, a dança é uma atividade física que além de trabalhar músculos, libera uma sensação de bem-estar emocional, mexe com o estado de humor e quando a pessoa escuta uma música que gosta, isso lhe traz lembranças positivas.
Silvia coordena o Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Ela lidera o grupo de estudos e pesquisas ‘Envelhecimento e Cidadania’ e explica que os bailes voltados à terceira idade, assim como outras atividades grupais, são eventos sociais de sociabilização. “As pessoas podem rever amigos, fazer novos amigos e até mesmo encontrar um novo companheiro. Assim, sua importância é ampliar e manter as relações sociais”, frisa a psicóloga.
Ela recomenda que os idosos procurem manter alguma atividade física, mesmo que em casa. Ela sugere dança com o parceiro ou até sozinhos, mas reforça que o importante é que façam atividades que lhes gere prazer. “Não é a falta do baile que desencadeia doenças psicológicas, mas a solidão, esta pode desencadear até mesmo uma depressão nas pessoas que neste momento estão em isolamento social.”
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Preocupação
Silvia, que atua na Unisc, comenta que em março foi criado pela universidade um serviço de telecuidado à pessoa idosa, com objetivo de acolher as pessoas que estavam em isolamento social e sem poder vir à universidade para fazer as várias atividades que normalmente são oferecidas. “Entre março e julho atendemos mais de 600 pessoas e muitas destas nos diziam o quanto estavam tristes em estar sozinhas em casa e como era importante estar recebendo aquele telefonema.”
A profissional reforça a importância de todos ajudarem a minimizar o sofrimento, e sugere que se entre em contato com as pessoas que fazem parte da relação de cada um. “O mês de setembro é o mês de prevenção ao suicídio e vem nos preocupando o aumento da taxa de suicídio em idosos no nosso país. Por isso é importante estar atento e fazer campanhas que busquem sensibilizar a comunidade desse problema. É só um tempo e vai passar. Se a pessoa não estiver se sentindo bem, deve pedir ajuda.”
Neste momento em que a ordem do dia é “fique em casa”, eu diria para as pessoas idosas tentem se conectar com os amigos e parentes por meios tecnológicos que a pessoa tenha acesso, converse por telefone, tudo isso vai passar é só um tempo, depois todos poderemos voltar as atividades normais que tanto nos agradam.
Silvia Virginia Coutinho Areosa
Psicóloga