Talvez na sua infância você tenha se questionado: ‘o que eu vou ser quando crescer?’. Muitas respostas podem ter surgido e pode até ser que você tenha ficado em dúvida em escolher uma profissão. A jovem Lisane Michele Franck, 27 anos, não teve dúvidas, queria ser agricultora. “Eu não lembro quantos anos tinha, mas levava comigo a certeza que ficaria no interior, a primeira ideia era plantar fumo, seguir os passos dos meus pais, mas depois as coisas mudaram”, revela.
A vida da agricultora tomou outro rumo quando ela conheceu o atual companheiro, Ângelo Batista Reis, 37 anos. “A família do Ângelo trabalhava há anos com vaca de leite, e ele iria seguir os passos da família. Resolvi aprender e depois decidimos juntos que iríamos tocar a produção”, conta Lisane. Com 21 anos, a jovem foi morar com o companheiro em Linha Harmonia da Costa.
Juntos, apostaram no leite. De lá até hoje muitas mudanças ocorreram: a casa própria, os maquinários, uma sala de ordenha mais moderna, o plantel de animais, os cursos, as formações e muito conhecimento na atividade que desempenham com orgulho. Atualmente, são 34 vacas em lactação, que produzem mil litros de leite, diariamente. Entre vacas, novilhas e terneiras, o plantel chega a 67 animais.
Na visão de Lisane, para o jovem ficar no interior é preciso de incentivo e isso deve acontecer dentro de casa. “Eu acho que os pais precisam incentivar que os filhos permaneçam no interior. Dar voz a eles, deixar dar uma opinião, proporcionar uma renda, porque se isso não acontece, é natural o adolescente sair e ir em busca de um emprego na cidade”, relata a produtora.

Ela e Ângelo também consideram que um dos principais fatores para o jovem permanecer no campo é a tecnologia na produção. “Lógico que tudo tem seu preço, mas muita gente pode voltar ou decidir ficar no interior devido à tecnologia e à facilidade das coisas. A tecnologia precisa ser usada a favor, assim vamos fortalecer o campo com mais jovens”, destaca o produtor.
Jovens e a representatividade
Lisane faz parte de uma minoria que cresceu nos últimos anos: a de mulheres à frente de um estabelecimento agropecuário. Conforme dados do Censo Agro do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 81,3% dos produtores são do sexo masculino e 18,7% do sexo feminino representando um aumento na participação das mulheres. No Censo Agropecuário de 2006, elas representavam 12,7% do total de produtores.

Desde outubro de 2020, Lisane integra o grupo da Juventude Regional do Vale do Rio Pardo e Baixo Jacuí através do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Venâncio Aires. Neste ano, ela assumiu um cargo de conselho fiscal na diretoria do STR. “Eu não imaginava que um dia teria essa oportunidade. Eu lembro do sindicato desde pequena e hoje fazer parte desse grupo que defende a agricultura é uma honra.”
Julho é o mês da Juventude Rural. A data é comemorada foi comemorada na quinta-feira, dia 15.
Para a secretária geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS) e coordenadora estadual de jovens, Jaciara Muller, o sindicato tem papel fundamental na permanência do jovem no campo. “É uma entidade que luta em defesa dos agricultores, e estes precisam se sentir pertencentes. Além disso, é necessário representar a classe trabalhadora observando os problemas sentidos e vividos”
Janice atua como coordenadora de jovens na federação desde 2020. “ Trabalhamos por melhorias em nível estadual, tentamos oportunizar e valorizar a nossa juventude, observando as diferentes realidades”, afirma.
Conforme Janice, que também é agricultora, trabalhar com os jovens do estado é desafiador, pois ela cita que são realidades e culturas diferentes, mas ela reforça que a entidade busca oportunidades, vez e voz para a juventude rural. “A realidade estadual ainda é longe do que sonhamos, com grandes desafios,dificuldades, anseios e, por muita vezes, pouco espaço para permanência, muitas vezes por falta de diálogo entre pais e filhos. Podemos ainda dizer que avançamos onde os jovens têm a oportunidade de dar ideias na produção e gestão da propriedade. Alguns pais têm entendimento da importância da permanência dos filhos no meio rural.”
“Eu sou muito feliz com o que faço, não me arrependo de
escolher ser produtora rural, não consigo nem me imaginar trabalhando em outra coisa.”
LISANE MICHELE FRANCK
Agricultora
“Os principais desafio para manter o jovem no campo estão
relacionados com as dificuldades que encontramos no acesso à internet por exemplo que dificulta muitas vezes no estudo de qualidade. Além disso, temos o deslocamento, diálogo familiar e a própria inserção do jovem na propriedade nas tomadas de decisão, como desafios.”
JACIARA MULLER
Secretaria geral da Fetag
Com o incentivo da família, a sucessão
Segundo dados do Censo Agro do IBGE, apenas 30% das empresas familiares chegam na segunda geração, e só 5% conseguem resistir até a terceira. Diego Weyh, 29 anos, de Linha 17 de Junho, integra a estatística dos 30%. Ao lado da namorada Graziela Lara Patan, 20 anos, ele toca a granja de suínos iniciada pelo pai Eloi, 54 anos, em 1996.
São 400 suínos para terminação, no ciclo de cerca de 120 dias. “Hoje a parte burocrática e quem toca a frente sou eu, mas tenho o suporte do pai o tempo todo. A gente trabalha junto”, explica. A decisão de ficar no interior e ser produtor acompanha Diego desde muito novo. “O pai sempre me incentivou muito, desde pequeno eu estava com ele na lavoura. Sem contar que eu tinha tudo para continuar a tocar o que ele começou.”
Quando o jovem completou 18 anos, acabou não indo para o quartel pois já tinha tomado a decisão de trabalhar com suínos e grãos. A família plantou tabaco por cerca de quatro anos, mas encerrou com a cultura nesta safra. “Agora a gente vai apostar no milho na safra e soja na safrinha”, frisa. “Gosto do que faço. Em cima do trator, eu sou feliz. No interior, sou realizado”, define o agricultor.

Censo mostra a saída do jovem do campo
Diego Weyh e Lisane Michele Franck são exemplos de jovens que optaram por seguir no meio rural e fazem parte de um pequeno número enaltecido pelo o professor e pesquisador João Paulo Reis Costa, coordenador da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul (Efasc). “O último Censo revela uma situação dramática. O Rio Grande do Sul tem 3,6% dos proprietários agrícolas com menos de 30 anos, isso é um número gravíssimo, significa que de fato não temos praticamente jovens proprietários no campo”, expõe.
A preocupação, conforme o professor, é que de um Censo para o outro se percebe uma diferença numérica que reforça a saída do jovem do campo. “Quem vai ser a próxima geração de agricultores, e principalmente de agricultores familiares, haja visto que é ela a produtora de 70% do que vai na mesa do brasileiro?”, indaga.
Políticas públicas
Segundo Costa, que é doutor em Desenvolvimento Regional, há uma necessidade urgente de politicas públicas para a juventude, qualificação técnica e estudos. “A gente percebe que, de fato, temos um campo cada vez mais envelhecido, masculinizado e produtivamente na mão de pessoas acima de 45 anos. A presença dos jovens com poder de decisão é cada vez menor, e isso fez com que cada vez mais o jovem saia do interior.”
Para o professor, os desafios para manter o jovem no interior são muitos. “Nós precisamos de políticas públicas para o jovem, de valorização para o campo. A geração de hoje é diferente da geração passada, hoje não se aceita mais determinadas situações, como, por exemplo, a energia elétrica que temos hoje. Precisamos dar opção de qualidade de vida e opção de produção.”
“A solução da próxima geração de produtores oriundos da agricultura familiar passa pelo
reconhecimento do Poder Público, das entidades e das regiões. Ouvir esses jovens é
essencial.”
JOÃO PAULO REIS COSTA
Professor e pesquisador
Censo Agropecuário
• Conforme o Censo Agropecuário, em 2017, havia 15,1 milhões de pessoas no interior do Brasil. Isso representou uma queda de 1,5 milhões de pessoas em relação ao Censo Agro anterior, realizado em 2006.
• Nos estabelecimentos da agricultura familiar, a população ocupada se reduziu em 2,166 milhões de pessoas, enquanto nos estabelecimentos não caracterizados dessa forma, deu-se o oposto: um aumento de 702,9 mil trabalhadores.