A vacinação contra a Covid-19 para crianças entre 5 e 11 já começou no Brasil. No Rio Grande do Sul, o cronograma prevê início para esta quarta-feira, 19, mas, se as filas de pais com seus filhos serão algo constante nesses primeiros dias, em frente às unidades de saúde, é difícil afirmar.
Nas últimas semanas, o assunto tomou conta das rodas de conversa pela cidade e opiniões diversas ‘brotam’ a todo instante nas redes sociais. Entre os convictos para o sim e para o não, fato é que muita gente está com dúvida, principalmente sobre possíveis reações.
Pensamentos ‘mil’ também já passaram (e ainda passam) pela cabeça da dona de casa Rejane Henn, já que a filha caçula, Alícia, 8 anos, está no grupo etário que poderá receber a vacina em breve. “Claro que a gente se preocupa. Que pai e mãe não se preocupa com uma possível reação? Mas a gente tem mais medo do vírus, então o Arthur fez e a Alícia também vai”, afirmou a moradora do bairro Cruzeiro. Ela tem 45 anos e tomou três doses, assim como o marido, Edson Schuch, 50 anos.
Rejane conta que, no histórico vacinal dos filhos (a caderneta está completa) nunca houve maiores consequências, a não ser um pouco de febre, após as doses da pentavalente (feitas aos 2, 4 e 6 meses de vida). No caso de Arthur, que tem 15 anos, ele já recebeu duas doses contra a Covid e relatou apenas uma leve dor no braço. “Todos os meus colegas também fizeram”, contou o jovem, se referindo ao 9º ano da escola Brígida, da turma de 2021.
Quanto à Alícia, talvez a espera seja um pouco maior porque primeiro serão vacinadas crianças com comorbidades. Conforme a mãe, a menina está tranquila. “Nós temos essa responsabilidade de conversarmos e tranquilizarmos os filhos, porque ninguém gosta de tomar vacina. Vai doer? Provavelmente vai, mas é uma picadinha para o bem deles e de todo mundo.”
Para Rejane, é possível que muitos pais não levem as crianças, mas, na opinião dela, são adultos que não se vacinaram. “Acredito que não levará o filho quem também não fez. Mas isso precisa ser cobrado do poder público e das próprias empresas.”

Confiança
Quem também já se decidiu favorável é a contadora Evelin Luize Hinterholz, 36 anos. O filho mais velho, Murilo, 7 anos, vai receber a dose. “Estou tranquila, pois acredito que a vacina não seria liberada caso houvesse problemas. O meu medo maior sempre foi o vírus”, comentou.
Evelin também é mãe de Mathias, de 1 ano e 10 meses. Junto com o marido, Marcelo, ela diz que ambos já conversaram e, se a idade do caçula também for contemplada, ele receberá a vacina. “Acredito que vacinando as crianças, o vírus irá circular menos e, consequentemente, a pandemia irá terminar antes. Sugiro aos pais vacinarem sim seus filhos, pois vacinas sempre salvaram vidas.”
Receio
Enquanto Rejane e Evelin estão convictas sobre levar os filhos ao posto de saúde assim que possível, outros ainda têm dúvidas. É o caso da bancária Juliana Schonardt Arenhardt, de 37 anos. O filho Bruno, de 5, já tomou todas as vacinas previstas para a faixa etária, mas, a da Covid, deixa Juliana um pouco preocupada com possíveis reações. “Não sinto confiança por ser uma produção recente e ter pouco teste em crianças”, justificou.
No futuro, ela não descarta levar o filho para se imunizar, mas garante que isso ocorrerá apenas quando houver um avanço em relação aos estudos científicos. A bancária mencionou ainda que irá marcar uma consulta de rotina com a pediatra de Bruno, para ouvir a opinião da profissional.
“Acredito que devemos confiar na ciência. Pois é através dela que muitas doenças foram erradicadas ou controladas no Brasil e no mundo. Se não fosse a vacina, o caos seria muito maior.”
EVELIN LUIZE HINTERHOLZ – Contadora e mãe do Murilo, de 7 anos
62.842 – é o número de gaúchos infectados entre 5 e 14 anos desde o início da pandemia.
Vacinação ocorrerá no Posto de Saúde Central
A vacinação contra a Covid para crianças entre 5 e 11 anos (são cerca de 5 mil em Venâncio nessa faixa etária) ocorrerá no Posto de Saúde Central. Amanhã, 19, e na sexta-feira, 21, as duas salas de vacina do posto serão apenas para aplicação das doses pediátricas. O horário de atendimento será das 8h às 11h15min e das 13h30min às 16h30min.
Neste primeiro momento, Venâncio recebeu 300 doses e, seguindo cronograma do Estado, a prioridade são os pequenos com comorbidades. Além de documento de identificação da criança e do cartão SUS, será necessário apresentar, nesta etapa, um laudo médico ou exame comprobatório que indique a situação de comorbidade ou deficiência.
Comorbidades
De acordo com a Prefeitura, além de deficiências graves permanentes, são comorbidades aptas para vacinação a diabetes mellitus e doenças metabólicas hereditárias; doenças pulmonares crônicas (asma grave, fibrose cística, fibroses pulmonares, broncodisplasias); cardiopatias congênitas e adquiridas; doença hepática crônica; doença renal crônica; doenças neurológicas crônicas (paralisia cerebral, doenças hereditárias e degenerativas do sistema nervoso ou muscular; deficiência neurológica grave); imunossupressão congênita ou adquirida (incluindo HIV/Aids, câncer, transplantados de órgãos sólidos e medula óssea e pacientes em uso de terapia imunossupressora); hemoglobinopatias; obesidade grave e síndrome de down.
*Colaboraram as repórteres Bruna Stumm e Taís Fortes.

FERNANDA DE SOUSA ALMEIDA
Pediatra
(Foto: Arquivo pessoal)
Pediatras afirmam que não é preciso ter medo da vacina
Atualmente, a única vacina que pode ser aplicada em crianças entre 5 e 11 no Brasil é a da Pfizer. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso em dezembro passado. Mesmo entre os pais convictos da vacina, são muitos questionamentos feitos aos pediatras de Venâncio Aires e por isso a Folha do Mate ouviu alguns que têm consultórios do município.

VILSON FRANCISCO GAUER
Pediatra
(Foto: Arquivo pessoal)
Segundo a pediatra Samanta Feilstrecker, o principal medo é sobre alguma reação grave. “Há um medo muito grande de miocardite [pode causar insuficiência cardíaca], umas das complicações graves relatadas em estudos. Mas o risco de miocardite é muito menor com a vacina do que com a própria doença. Foram apenas oito casos entre mais de sete milhões de doses administradas, todos com evolução clínica favorável e nenhum óbito.”
Ainda conforme a médica, a doença pode trazer muito mais complicações do que a vacina. “A maioria dos efeitos colaterais foi leve e de curta duração, semelhante ao que já temos relatos nos adultos ou em outras vacinas que fazemos na infância: dor no local e febre, por exemplo.”

VÍVIAN WUNDERLICH DA ROCHA
Pediatra
(Foto: Vanessa Paz/Divulgação)
Segurança
Samanta comenta que muitos lhe perguntaram sua opinião pessoal, já que também tem um filho (é mãe de Otávio, 3 anos). “Eu precisei estudar para poder passar minha opinião com segurança. Como pediatra, sabia que a orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria era vacinar. Mas como mãe, eu também tenho receios. No entanto, acho que tenho uma responsabilidade muito maior. Além de zelar pelo bem do meu filho, eu zelo pelo bem dos filhos dos outros.”
Conforme a médica, os estudos com a Pfizer determinaram que, com uma dose menor que a usada para adultos e adolescentes (1/3), a vacinação, dividida em uma dose mais o reforço, foi capaz de produzir anticorpos neutralizantes sete dias após a segunda dose – uma eficácia de 90,7%.
“A maioria dos eventos adversos foram febre, dor de cabeça, vômitos, fadiga e inapetência. Mas isso as outras vacinas também causam, né? E foram mais comuns nas primeiras 24 horas, sendo um pouco mais frequente após o reforço”, explicou.

Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul
Em artigo publicado no site da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS), o médico pediatra e presidente da SPRS, Sérgio Luis Amantéa, diz que, se ainda existiam dúvidas, elas caíram por terra.
“Não estamos mais falando de hipóteses, inferências ou estudos. Estamos numa fase de vigilância farmacológica. Cerca de 10 milhões de crianças em idade pediátrica já se vacinaram ao longo do mundo com o mesmo imunizante que será aplicado em nossa população. Como era de se esperar, gerando resposta imunológica e com baixa ocorrência de efeitos adversos.”
O médico destacou ainda que, desde que a Anvisa autorizou a vacina, os argumentos anti-vacinas se ‘esvaziaram’. “Dados científicos de eficácia e segurança começaram a ser publicados e o número crescente de crianças vacinadas em vários países ajudaram a estabelecer um posicionamento quase que consensual do mérito vacinal. As sociedades científicas de nosso país contribuíram para tirar do cenário político uma decisão que tem que ser técnica.”
Quem também opinou sobre o assunto no site da SPRS, foi o infectologista pediátrico Fabrizio Motta. Segundo ele, o aspecto segurança da vacina é o mais importante a ser esclarecido no cenário atual. Motta destaca que todo medicamento que é iniciado o seu uso, passou pelo que é chamado de estudos da fase 3 e, por conta disso, não há nenhum motivo para os pais terem preocupação. “Quando se chega nesta fase, há uma segurança de que eventos adversos são raríssimos.”
A opinião de Flávio Seibt, o primeiro pediatra de Venâncio
Atualmente, o calendário vacinal das crianças é extenso e muitas das doses os pequenos recebem ainda bebês. São cerca de 12 tipos aplicadas em crianças com até um ano. Mas esse ‘coquetel’ foi sendo encorpado aos longo das décadas. Para se ter uma ideia, há quase 50 anos, as vacinas conhecidas no Brasil eram contra a varíola (já erradicada) e a tríplice, que imunizava contra tétano, coqueluche e crupe (infecção das vias aéreas superiores).

Quem viveu esse cenário foi o médico Flávio Seibt, 74 anos, o primeiro pediatra de Venâncio Aires. Ele começou a atender no município em 1974. “Não se tinha o estímulo que tem hoje e poucos procuravam o posto de saúde.” Seibt lembra que, aos poucos, quando virou o médico chefe do posto, começou a aplicar a chamada MMR, hoje equivalente à tríplice viral (caxumba, sarampo e rubéola). Mas as doses eram importadas e só eram vendidas de forma particular. Já na década de 1980, outro ‘avanço’ foi a campanha contra a poliomielite (paralisia infantil). A mobilização foi tamanha que o personagem Zé Gotinha virou figura conhecida para diversas gerações.
Ao lembrar dessas fases, Seibt, que trabalhou como pediatra por quase 40 anos em Venâncio Aires, defende as vacinas e cita um momento vivido há mais de 45 anos. “Em 1976, chegamos a internar sete crianças simultaneamente no Hospital São Sebastião Mártir com meningite. Isoladas, como são os internados pela Covid hoje. Com riscos de contaminação, minha filha tinha um ano e ficou vários dias na casa da avó, sem contato com a gente [a esposa de Flávio também é médica].”
Para os dias de hoje, Seibt traz outro exemplo pessoal: as duas netas que moram na França, de 7 e 10 anos, já estão vacinadas. A outra neta de 7 anos, que mora no Brasil, será levada em breve.
“A vacina é a única solução e a população não precisa ter medo para levar as crianças. Precisamos lembrar que a paralisia deixava problemas gravíssimos. A meningite matava, o sarampo matava e a Covid está matando. Então por que não vacinar?”
Impressões da repórter
Entre os profissionais ouvidos para esta matéria, a unanimidade aponta para a vacina. Mas há outro ponto unânime nesta história: a preocupação de pais com possíveis reações, sentimento mais do que natural. Hesitação, aliás, é algo inerente a qualquer homem ou mulher que vive diariamente aquela velha máxima: proteger os filhos de qualquer ‘ameaça’.
Eu também quero proteger o meu filho de qualquer dificuldade, dor ou incerteza. Quero o melhor para ele. Mas, às vezes, esse melhor vai ser antecedido de uma frustração, um ‘não’ quando se queria um ‘sim’, uma queda, uma dor. Meu marido e eu temos dúvidas todos os dias, mas nunca titubeamos em levar o Rafael para tomar as vacinas correspondentes à idade (vai completar 2 em março).
Das várias ‘picadas’ que já levou, chorou em todas, teve dor local e até febre. Mas passou e os números mundo afora indicam que, na maioria dos casos, não vai além disso nas crianças que forem vacinadas contra o coronavírus a partir de agora.
Quando chegar a vez do Rafa, ele vai levar mais uma ‘picada’. É para o bem dele, é para o bem dos nossos filhos, é para o bem de todos. A Covid já nos machucou demais, já nos traumatizou demais, já nos tirou demais. Então vamos nos vacinar. Por favor.