Entrevero

-

Todo mundo na província falou esta semana sobre o rapaz que, no último sábado, dançou música de Pabllo Vittar e rebolou até o chão em sua colação de grau na UFRGS. De toga levantada até a cintura, sapato de salto alto vermelho e apenas um shortinho para tapar o traseiro à mostra. Tudo planejado, já que havia um amigo preparado até para gravar em vídeo a breve performance pré-recebimento do canudo. “É um clamor à liberdade”, disse o formando de 23 anos. “É um absurdo”, rebateram os que veem a cerimônia como um ato assumida e obrigatoriamente formal, sisudo e protocolar. Devo dizer que, ao frigir dos ovos, discordo da atitude – ou de como ele a executou –, mas…

Memórias

Não pude deixar de relembrar minhas próprias atitudes quando me formei. Na escola, fui de barba desgrenhada e longa. Chamaram-me. Tirei a bata e fui pegar o canudo de camiseta do Iron Maiden. Na festa, nem fui: tinha um convite para tocar com minha banda de então. Na faculdade, dispensei também a colação. Formei-me em gabinete, sem toga nem nas fotos. Festa, nem pensar. Minha mãe, coitada, sofreu nas duas vezes. Mas eu não podia aplaudir aquilo depois do mau-caratismo e dedos leves da Unisc, que me tomou oito créditos enquanto eu cruzava o sul do país com um joelho recém-operado para ganhar uns vinténs. Celebrar diploma após anos de provas e trabalhos colados, como vi alguns fazerem, é bem pior do que exibshort colado à mostra.

Escolhas

Quando você chega à casa dos outros e contraria as regras em vigor, precisa estar pronto para as críticas. Atos como formaturas são isso mesmo: longos, chatos, burocráticos, sisudos, etc. Um negócio feito para ser sem graça, ainda que, com sutileza, se possa quebrar um pouco do gelo sem hostilidade. De qualquer modo, há a opção de não ir. De não fazer parte de algo com o que você não concorda – exceto quando se trata da coisa pública, o que a torna ainda mais insuportável ao cidadão. Qualquer ato é válido, desde que não desrespeite o próximo e seja feito com o seu dinheiro – e aí a coisa pública volta à tona: construir bíblia de concreto com a grana alheia é um embuste monstruoso. Muito pior, também, do que rebolado de salto alto no salão de atos universitário.

Representa

Curioso que tudo aconteça na semana dos 50 anos do primeiro disco do Black Sabbath, o marco zero do heavy metal. A representatividade sobre os públicos homo e trans é um dos motivos do sucesso de Pabllo Vittar, a trilha sonora do rebolado acadêmico. O que me faz pensar na similaridade com uma banda como o Sabbath, diametralmente oposta no aspecto musical, em suas devidas proporções. Quantos garotos nunca se encaixaram em coisa alguma e encontraram uma nova luz ao ouvir uma guitarra distorcida, tocada por um sujeito sem as pontas dos dedos, que lidera aquilo ao lado de um errático com voz de morcego? Não fosse o rock’n’roll e é possível que estes caras hoje lhe passassem o chapéu na rua para pedir uns mirreis se você fosse a Birmingham.

Três acordes

# Não confundir representatividade, porém, com mau gosto: tire-a de Pabllo Vittar e você terá apenas uma Anitta mais alta e oxigenada. Neste caso, figuras díspares como Elton John ou Rogéria supririam bem a demanda – e com muito mais gabarito.

# Ainda: o alegado clamor por liberdade do formando não teria metade da repercussão se não envolvesse a bunda, este símbolo nacional que gera fascínio e complexo em vias coletivas e colossais no povo brasileiro. Aí vem o Carnaval que não me deixa mentir.

# As ditas atitudes lacradoras são produto legítimo de nossa sociedade de crianças precoces e de adultos infantilizados. A versão atualizada e tardia do movimento pueril de querer chamar a atenção dos pais. Saibamos lidar com isso. Sem preconceitos nem estupidez – comportamental, visual ou sonora.

Oferecido por Taboola

    

Destaques

Últimas

Exclusivo Assinantes

Template being used: /bitnami/wordpress/wp-content/plugins/td-cloud-library/wp_templates/tdb_view_single.php
error: Conteúdo protegido