Queridíssimo leitor: muito obrigado. Na última quinta-feira, dia 16, esta despretensiosa coluna de jornal completou dez anos desde sua primeira publicação. É curioso pensar na vida dez anos para trás e não atingir nenhum período que remeta à infância ou adolescência. Eu estava no terceiro semestre da faculdade de jornalismo quando tudo aconteceu. A música era o norte de um imaginário de vida. Tocar, viver ou escrever sobre música representava uma catarse para alguém de 19 anos, em pleno choque entre suas convicções pueris e a intimação para alcançar a vida adulta.
Cerne
Passada uma década, me contenta que música tenha se conservado como o cerne de tantas mal traçadas linhas neste espaço. O ideal presente nos primórdios vive franca dissolução. Alguém ainda leva fé em estarrecer ao próximo através da música? As pessoas se valem de outros formatos para tanto na sociedade líquida identificada por Baumann, que podem ir do Twitter à indústria pornô. Música é produção industrial, para atender nichos de mercado. Manter distraídos os moderados e saciar a ânsia dos agitados, com pseudocausas tão rasas que se tornam incapazes de ultrapassar a pecha de lacre.
Contra o espaço-tempo
O recorte que engloba relevância, virtude e localização geográfica dentro da imensidão do assunto – e aplicado em Alto e Bom Som – coloca longevidade e futuro do próprio espaço em xeque. O rol de assuntos cá abordados beira o masoquismo. Bebe de fontes condenadas a secar. Qual o artista do atual milênio que estremeceu algum conceito qualquer? Que merece na atualidade mais atenção do que, Jesus amado, os protagonistas da vida política? O que a cidade oferece na prática a quem admira algo minimamente situado além do lugar-comum? Percalços de quem vive com dilemas e batalhas inglórias contra o próprio espaço-tempo.
Amém
Raul disse que quem não tem presente, se conforma com o futuro, mas este traz perspectiva ainda mais aterradora no universo desta coluna. O que fazer? Seguir em frente, é claro. O mundo já está sobrecarregado de soluções rasteiras e imediatistas. Chega de coaches, pastores-artistas, notícias descabidas vendidas como reais no grupo de WhatsApp da família e funks à brasileira que celebram a estupidez. Nadar contra a maré, se necessário for, é motivo de orgulho para este espaço e seu escriba. Tem sido o propósito há dez anos. Que assim siga.
Três acordes
# Mesmo sendo esta uma coluna de música – e com um viés deveras segmentado e rabugento –, é gratificante receber manifestações de leitores que depõem apreciar o conteúdo mesmo sem conhecimento ou gosto aprofundados pelos personagens abordados.
# São pessoas que se identificam com a escrita, os pormenores do texto, os pontos de vista. São as pessoas, afinal, que atribuem valor às coisas, sejam elas simpáticas ou não ao que este canto esquerdo de página de jornal – a quem muito tenho a agradecer – traz publicado em sua edição de fim de semana.
# São as pessoas que propiciam o movimento, o acontecimento, a vida. E que, a quem escreve, trazem a motivação, a busca, a inquietude – e, no meu caso, até mesmo o amor. Muito obrigado.