Best of Both Worlds é uma expressão da língua inglesa, transformada em música pelo Van Halen em 1986 e em título de disco em 2004. Neste último caso, o nome foi adotado como autorreferência e para explicar que o álbum traria o melhor dos dois mundos (o significado da expressão em português, numa tradução livre) da banda, ou seja, as melhores faixas cantadas pelos dois vocalistas que marcaram sua história: David Lee Roth e Sammy Hagar, que ali se reunia outra vez com os irmãos Eddie e Alex mais o baixista Michael Anthony para uma daquelas nem tão bem sucedidas tours de reunião.
Pois bem. O melhor dos dois mundos é que teremos aqui na pacata Sebastianfield nesta calorosa e pré-pandêmica noite de sábado. Uma parcela do público estará no Parque do Chimarrão para ver as atrações do Feceva, o festival local de cerveja, em especial o show do icônico Marcelo Nova, do lendário Camisa de Vênus. Mas há outra atração diametralmente oposta propensa a atrair tanto ou mais público quanto, a ser apresentada a outra fatia da audiência nesta mesma noite pós-sexta-feira 13: o show no ginásio da linha Tangerinas do cantor gauchesco Baitaca, aquele mesmo que viralizou – expressão apropriada para esses dias… – com o ressurgimento de Do Fundo da Grota, gravada por ele em 2002.
Parei para pensar a respeito ao ler, certo dia, trecho escrito pelo colega colunista Carlos Dickow, que mora há menos de dez anos nesta terra e se manifestou surpreso, certa feita, ao constatar o grande número de atrações ao público em dado fim de semana, vide os anúncios que aquela edição do jornal trazia a respeito. Foi um pontapé no cerebelo para um sujeito como este escriba, nativo e morador de três décadas do autointitulado belo recanto do Brasil, que sempre o associou com o mais puro tédio com um T bem grande. E os eventos programados para esta noite ilustram tal polarização – para ressaltar, o serviço para ambos, com Nova e Baitaca, está nesta edição da Folha.
Enquanto há uma fatia do público local que lamenta as parcas opções de entretenimento, o número reduzido de bons espaços e de atrações para cultura ou mera diversão, há outra que, me parece, vive muito bem, obrigado. Diverte-se com bailes, bandinhas, música e dança gauchesca, em ginásios, salões comunitários e afins, coisas que a paróquia tem a oferecer de sobra. Cantam, dançam, sapateiam e se satisfazem, com simplicidade que talvez até desconcerte. Se os primeiros resmungam e não voltam ao estádio se o Guarani não tocar bem a bola, os restantes vibram com o jogo dos amigos num torneio amador, em que um bico pela linha de lado é tão ou mais importante ou digno de vibração quanto um gol – ao melhor estilo Gre-Nal, pois: não esqueça de que a briga generalizada ao fim do último clássico começou num mero lateral…
Há pouca ou nenhuma mistura entre as tão distintas fatias de público vivas na capital do ouro verde. Faz algum sentido, afinal as pessoas são pessoas, não o MDB. O contraste nítido dos dois segmentos, porém, não significa uma divisão ou impossibilidade de convívio. Pelo contrário: no fim das contas, somos todos gente. Do mesmo lugar. Nos preocupamos e/ou enraivecemos com a estiagem, a crise do hospital ou a idiotice de construir a tal bíblia gigantesca. E, ao final do dia, queremos apenas estampar um sorriso na cara, seja num jantar que renderá fotos para a coluna social, com os pés na água num arroio que a prefeitura não cuida ou numa partida de canastra, em que fumar em local fechado é não só permitido como, praticamente, um pré-requisito para jogar.
Nesta possível noite final de nossas vidas interioranas antes de uma possível quarentena forçada pelo coronavírus – e aí, devemos dizer, o grupo acostumado ao tédio, no qual me incluo, estará mais preparado animicamente para enfrentá-la –, que assim seja. E noutras vezes também. Desejemos sempre o melhor para os dois mundos que vivem dentro deste pequeno mundinho de Venâncio.