No passado, havia duas pessoas que eram as mais bem-informadas das cidades. Uma era o padre, óbvio, porque ouvia em confissão os segredos mais pecaminosos, para os quais sempre havia perdão após a reza de Pai-Nossos e Ave-Marias, cuja quantidade era estipulada de acordo com a gravidade dos pecados confessados. O que, aliás, não deixava de ser percebido pelos demais fiéis presentes na igreja, que julgavam o pecador conforme o tempo da penitência.
A outra pessoa que podia saber da vida de quase todo mundo era a telefonista da cidade. Para fazer uma ligação, tocava-se uma manivela que fazia soar uma campainha na mesa da telefonista; essa, por sua vez, atendia e perguntava para quem devia completar a ligação. Aí, inseria um plug na mesa telefônica correspondendo ao número solicitado, e as pessoas podiam conversar. E a telefonista, se quisesse, podia ouvir toda a conversa com um fone de ouvido. A bem da verdade, eu nunca soube de nenhuma fofoca que tivesse partido de alguma telefonista; parece que elas tinham uma ética profissional semelhante à do padre.
Poucas pessoas possuíam telefone. Era caro, e as linhas eram escassas. Um luxo ter um aparelho em casa. No interior, então, era uma raridade. Meu pai construiu por conta própria uma linha de sete quilômetros e 90 postes para ligar nossa casa até a central da então vila de Passo do Sobrado. Nossa vizinhança fazia uso da novidade sem custo. Geralmente se iniciava uma conversa perguntando “Quem fala?” ou “Quem está no aparelho?”, bem mais chique.
Quando montei meu consultório em Venâncio, consegui, por ser médico, uma linha tipo ‘reserva técnica’. As ligações vindas do hospital eu já detectava antes de atender: a telefonista, manualmente, imprimia um toque de campainha bem mais longo, parecia indicar urgência.
Para falar com Porto Alegre, havia uma espera de quatro horas. A chegada da central automática com número discado foi lá por 1980. Melhorou muito. A telefonia era estatal, monopólio da CRT. Ligações interurbanas eram caras; as pessoas colocavam cadeados no discador para evitar sustos com a fatura mensal.
Os telefones celulares chegaram na década de 1990. Eram 400 linhas, que foram sorteadas publicamente, entre os inscritos, no Clube de Leituras. Muitas pessoas contempladas alugavam o seu número para profissionais que necessitavam deles para o trabalho. Eu aluguei uma linha que me custava um salário mínimo por mês.
A privatização da telefonia expandiu descontroladamente o número de usuários. A qualidade das ligações, em vez de melhorar, piorou. As múltiplas funções dos smartphones tornaram-no um objeto indispensável, ao mesmo tempo muito útil e muito incômodo. Segundo uma reportagem investigativa recente, os brasileiros recebem mais de 10 bilhões de ligações feitas por robôs mensalmente. Entre elas, tentativas de todos os tipos de golpes. As falsas ligações estão atingindo um nível de perfeição que fazem milhões de brasileiros perderem dinheiro. Nas ruas, portadores de celular são violentamente assaltados. O celular espiona as nossas vidas, entende o que falamos ou digitamos, sabe os nossos gostos e gastos, e essas informações viram ouro em mãos inescrupulosas. Ter um celular é uma necessidade que nos coloca em perigo físico e financeiro. E as autoridades que deveriam devassar essas centrais do crime nada fazem.
Não, aqui no Brasil ninguém mais sabe quem está no aparelho.