Tinha uma lomba no caminho

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Imagine, por um momento, que você está cansado. Muito cansado. Você já pedalou 60, talvez 70 km por uma sucessão infindável de lombas e suas pernas ardem, muito. Você aproveita, claro, os declives para relaxar, mas sabe que, logo ali, depois da curva, haverá outra lomba.

Os pontos de parada dispostos a cada 25 km, em média, ajudam pra caramba: neles, você alonga as pernas, toma água, come uma banana, um sanduíche, marca o tempo de chegada e segue em direção às lombas.

E assim vai indo, quilômetro após quilômetro, curva após curva, lomba após lomba.

O que você não imagina é que a organização do “Desafio dos Vinhedos”, o brevet que realizei dias atrás em Bento Gonçalves, junto de outros nove ciclistas, em excursão organizada pelo Faccin Bicicletas, apoiador da Operação Banda Oriental, deixou para os últimos quilômetros a, como lhes direi, “sensação” dessa prova.

Ou seja, uma LOMBA categoria responsa; uns quatro quilômetros de aclive, algumas curvas e uma inclinação categoria monstro; LOMBA de respeito, daqueles que a gente pede desculpas por existir quando enxerga pela primeira vez e se pergunta como pode um negócio desses existir.

é bem verdade que, antes de chegarmos a ela, o pessoal que estava retornando do percurso, e que, portanto, já havia vencido a lomba from hell, dava pistas que nós, os lerdos, no afã de vencer a distância, não reparávamos; ou seja, um sorriso de escárnio no rosto aqui, um olhar de piedade ali; um mal disfarçado desejo de boa-sorte lá…

Mas o fato é que subir a pé ficaria feio e aquilo tinha de ser feito.

Afaguei o pescoço de La Negra 2, minha bike, desejei boa sorte a nós dois – coração de 49 não é coração de 20 anos, sabemos; vai que a pessoa infarta – e nos jogamos em direção à longa, larga e alta língua de asfalto à nossa frente.

No começo foi, como direi, fácil; cem, duzentos metros, mas, logo depois, La Negra 2, mesmo na marcha mais leve, começou a pesar mais e mais e mais e que, até então, era velocidade de 10 km/h transformou-se de 5 km/h, 4 km/h, e estabilizou.

Lenta, mas muito lenta, e vagarosamente fomos subindo, subindo, subindo – por um momento pensei ter visto anjos, mas lembrei que o céu é mais acima, então talvez estivesse faltando mesmo oxigênio e tals.

A estratégia, então, foi ziguezaguear (li em algum lugar que era mais fácil subir assim); dobrar a distância da lomba – ao invés de subir na vertical, em linha reta, cortar ela em traços horizontais, da largura da faixa; dobra o percurso, como disse, mas torna a tarefa mais possível – o que ajudou pra caramba.

Digo isso basicamente porque cheguei ao ponto de apoio vivo, para surpresa dos que lá estavam (quando a gente começa a pedalar, as expectativas sobre nosso desempenho não são das melhores, se é que vocês me entendem.). Dois copos de salada de fruta e algum alongamento depois me deram fôlego para seguir adiante, em direção às próximas lombas, que, diante da que eu enfrentara havia pouco me pareceram, como direi, leves.

Tudo estaria perfeito; eu teria chegado no tempo previsto de prova – ou seja, às 16h30 – se, no acesso a Bento Gonçalves, eu não tivesse me perdido não uma, mas duas vezes.

A primeira foi chegando à cidade; eu até vi a seta de sinalização, mas, como ela indicava apenas um sentido, pareceu-me lógico que haveria outra mais adiante, dizendo por onde eu deveria seguir. Só que não: o que havia, isso sim, eram dois quilômetros a mais a serem percorrido porque a pessoa em questão havia se perdido.

De volta ao roteiro correto, agora dentro da cidade, estava indo bem demais até que… resolvi seguir alguns ciclistas que estavam à minha frente.

Foto: Arquivo Pessoal / Tudo & TodasEm um dos pontos turísticos do caminho
Em um dos pontos turísticos do caminho

Como era descida, e iam rápido, já me imaginei chegando no Hotel Michelon, de onde partíramos ainda pela manhã, recebendo os cumprimentos, trocando de roupa, tomando aquele mate…

Em questão de minutos tudo se acabaría e seríamos felizes novamente. Isso até cruzar uma ponte que não havia cruzado na ida e me dar conta que estava perdido e que o cara à minha frente certamente estava indo para casa.

Como atrás de mim tudo era descida, e eu definitivamente não aguentava mais – já havia percorrido mais de 100 km – toquei em frente até chegar em uma pista asfaltada onde um nonno de olhar cansado e enternecido, a enxada na mão, me informou, candidamente, que aquela estrada levava, sim, ao meu destino. E que ele, o destino, se localizava sete ou oito quilômetros adiante.

Lomba acima, naturalmente.

Foto: Arquivo Pessoal / Tudo & TodasLembranças deste desafio
Lembranças deste desafio

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>> Demétrio de Azeredo Soster é professor universitário e jornalista – deazeredososter@gmail.com

 

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