Cerca de 14% da população brasileira se declara vegetariana de acordo com levantamentos realizados em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope). A porcentagem representa um aumento de 75% desde 2012, chegando a aproximadamente 30 milhões de pessoas que passaram a aderir hábitos alimentares sem carne no país.
No Rio Grande do Sul, 10% da população é adepta à alimentação vegetariana ou vegana, e o Estado já é o 3º com mais inscritos no site Mapa Veg. “Uma das principais motivações dos jovens hoje para adesão ao vegetarianismo é a preocupação com o meio ambiente, proteção aos animais e uma identificação de princípios”, explica a nutricionista da Unimed Vales do Taquari e Rio Pardo, Nádia Jacobsen.
Ela relata que o fácil acesso à informação, ampliado pelas plataformas digitais, favorece também esse público a encontrar conteúdos que promovam a conscientização. A presença de influenciadores digitais, artistas e ativistas da causa vegetariana nas redes sociais pode ser um fator que contribui para a mudança no comportamento alimentar dos jovens.
Veganos precisam de cuidado diferenciado?
Quanto mais restrita a dieta, mais cuidado deve-se tomar para obter todos os nutrientes necessários ao corpo. Em dietas à base de vegetais, várias substâncias essenciais podem ficar em débito, ausentes ou pouco absorvidas. Incluem-se aí as proteínas animais com seus nutrientes específicos, o ômega-3 e os ácidos graxos, ferro, zinco, cálcio e vitaminas D e B12. Por isso a importância de um acompanhamento nutricional e reposição de alguns componentes, por profissionais capacitados, se assim necessário. O ajuste da dieta através do equilíbrio alimentar, planejamento e organização da rotina também são fundamentais.
“Permita-se experimentar novos alimentos e diferentes formas de preparo. Esteja aberto, aventure-se na cozinha e, principalmente, saiba o que te motiva a ter uma alimentação vegetariana.”
NÁDIA JACOBSEN
Nutricionista
Veganismo: um estilo de vida
Rafael Schmachtenberg, de 32 anos, adotou o veganismo aos 26 anos. Tudo começou depois de assistir a algumas séries que falavam sobre a indústria de derivados e como eram formadas as recomendações dos órgãos de saúde. Antes da decisão do novo estilo de vida, ele achava que a proteína era o mais importante em uma dieta, e que a única maneira de obtê-la, era com derivados de animais.
Após assistir os documentários Cowspiracy, What the health e Forks over knives, decidiu pesquisar mais sobre o tema, por meio de estudos de médicos. Com isso, afirma que parou de ingerir os alimentos por questões éticas, pois muitas vezes, durante o consumo de derivados animais, não são associados de onde o alimento está vindo, e nem mesmo o que os animais passaram até chegar no consumidor final.
Além de deixar de consumir carnes em geral, queijos e leite de animais, ovos, produtos com colágeno, como por exemplo a gelatina, e produtos que contenham gordura animal, Schmachtenberg acrescenta que procura não vestir roupas de couro, lã e seda. Também, passou a usar produtos de higiene pessoal e de limpeza que não tenham derivados ou não foram testados em animais. Sobre bebidas, ele diz que verifica os ingredientes do rótulo e analisa se há algum derivado animal. Ainda sobre o consumo de alimentos, na hora da compra leva em conta os ingredientes e se o produto contém ou pode conter alguma particularidade que ele não consome.
Questionado sobre os desafios de ser vegano, ele pontua a desinformação e o aspecto social. A desinformação, por muitas pessoas tirarem conclusões precipitadas sem saber o que é o veganismo e as motivações de ser vegano. Já o aspecto social, por, no início, não haver muitas opções na hora de comer fora de casa ou em delivery. Isso fez com que fosse necessário aprender a fazer algumas receitas para ‘quebrar galho’. No entanto, acrescenta que hoje o cardápio já é um pouco mais amplo nos restaurantes e mercados.
“Depois que terminei de assistir três documentários, fiquei tão apavorado de como funcionava a indústria de derivados e como eram formadas as recomendações dos órgãos de saúde, que mudei da noite para o dia.”
RAFAEL SCHMACHTENBERG
Vegano
Relato de uma ovolactovegetariana
“Tudo começou quando eu assisti ao documentário ‘Cowspiracy’, da Netflix, uma produção que comenta tudo o que não sabemos por trás da agroindústria e seus danos ao meio ambiente. Tenho que confessar que fiquei abismada quando descobri que a simples tentativa de economizar água em casa seria insignificante ao se comparar com a produção de um quilo de carne. Se você não sabe, a produção deste gasta mais de 16 mil litros de água, enquanto em um banho de 20 minutos se gasta ‘apenas’ 120 litros. Como eu sempre fui engajada com o meio ambiente, decidi tentar diminuir o consumo desse alimento na minha dieta até conseguir eliminá-lo completamente do meu cotidiano. Posso dizer que a parte mais difícil não é largar a carne, mas sim os comentários desnecessários, as piadas sem graça e, principalmente, a falta de fé que põem em você, que até mesmo te faz duvidar se irá conseguir manter essa restrição por muito tempo. Hoje, já fazem 10 meses que entrei nesse mundo, e se tem um conselho que eu tenho a quem deseja ingressar no vegetarianismo ou veganismo é: não desista. Você vai sim, ser desmotivado, mas o importante é seguir lutando pelos seus ideais. Lembre-se: você não vai só salvar animais inocentes, como irá ajudar o planeta.”
Vitória Camara – Estudante e ovolactovegetariana há 10 meses
Entenda as diferenças
• Ovolactovegetarianismo: utiliza ovos, leite e laticínios na sua alimentação.
• Lactovegetarianismo: utiliza leite e laticínios na sua alimentação.
• Ovovegetarianismo: utiliza ovos na sua alimentação.
• Vegetarianismo restrito ou veganismo: não utiliza nenhum produto de origem animal na sua alimentação.
Tirei a carne do cardápio. E agora?
A nutricionista da Unimed Vales do Taquari e Rio Pardo, Nádia Jacobsen, explica que não há uma regra para quem decide se tornar vegetariano. O mais importante, no entanto, é entender a importância da substituição dos alimentos e seus nutrientes.
Ela observa que cada pessoa opta de uma maneira para fazer essa transição. Algumas, começam com um dia por semana para a exclusão da carne e aumenta os dias com o passar do tempo. Há também quem prefira tirar primeiro a carne vermelha, para depois o frango e, por último o peixe. Nesse caso, não há certo ou errado e cada um inicia a fase de transição alimentar da maneira que fica mais à vontade. Depois disso, quando já são vegetarianos, decidem se desejam ou não avançar para o vegetarianismo restrito (veganismo). “Cada pessoa tem seu tempo, o mais importante é ter uma alimentação variada e acompanhamento para adequar as necessidades nutricionais”, destaca a profissional.
SUBSTITUIÇÕES
Após a decisão pela mudança tomada, a pergunta que todo mundo se faz é: que tipo de alimento deve entrar no lugar da carne?
Nádia observa que ela traz diversos benefícios para o nosso corpo, e por isso uma alimentação variada é essencial para substituí-la no cardápio. “Ainda assim, se levarmos em conta que é preciso arrumar outra fonte de proteína, devemos investir em alimentos como as leguminosas (feijões, grão-de-bico, lentilha, ervilha), além de hortaliças verdes escuras, como brócolis, rúcula, couve, espinafre”, diz. As oleaginosas (amêndoas, castanhas e nozes) também são boas fontes proteicas e há outras substituições que podem ser feitas como a proteína de soja texturizada (PTS); cogumelos e hambúrgueres vegetais.
“O famoso arroz x feijão se complementam, e também formam proteínas (aminoácidos essenciais) sendo considerados potentes substitutos também. Podemos dizer que não existe um único processo no nosso corpo que não seja dependente da participação de uma proteína”, exemplifica.
De olho nas vitaminas
Toda mudança alimentar exige um cuidado especial e o acompanhamento de um nutricionista neste processo é essencial. Para se ter uma alimentação saudável e que proporcione ao organismo uma melhor absorção de todos os nutrientes, é preciso estar atento à composição da dieta.
Quando se opta por essa mudança de estilo de vida – com a adoção do vegetarianismo ou veganismo, por exemplo – é muito importante ter esse cuidado.
A nutricionista Nádia Jacobsen afirma que o ferro heme, que está presente na carne, apresenta alta biodisponibilidade, sendo absorvido pelo intestino em maior porcentagem, de 10% a 30%, do que o ferro não-heme – encontrado na maioria dos alimentos, incluindo os vegetais. “A explicação para isso seria a de que a absorção do heme, ligado à hemoglobina dos alimentos de origem animal, tem menor interferência dos outros nutrientes presentes na refeição, por isso é mais facilmente garantida pelo organismo”, diz.
O zinco também tem fonte principal a carne e é um mineral essencial para o bom funcionamento dos sistemas imunológico e endócrino, por ser importante para a união de enzimas antioxidantes e participar da síntese de vários hormônios.
A vitamina B12, que ajuda a manter as células sanguíneas e o sistema nervoso equilibrados e continue funcionando bem, além de auxiliar no metabolismo de outros nutrientes e proteger o DNA das células.
O que não pode faltar
A nutriciona explica que é importante abrir o leque alimentar e investir em leguminosas, como a soja, lentilha, ervilha, grão-de-bico e a fava. Uma sugestão é usar a técnica do remolho antes de preparar esses grãos, ou seja, mantê-los em um recipiente com água por, no mínimo, 12 horas, trocando o líquido de vez em quando. Assim, os antinutrientes que prejudicam a absorção são eliminados.
“Também ajuda incluir cereais nas refeições, como o milho, a aveia, o trigo, a quinoa, a cevada, o amaranto e o sorgo, que são úteis na tarefa de ingerir proteínas”, menciona.
Além de hortaliças, de alimentos não tão comuns na mesa do brasileiro como cogumelos e algas e, claro, de gorduras saudáveis como a do azeite de oliva, de sementes e oleaginosas. Para facilitar a absorção do ferro contido nas leguminosas, a recomendação é incluir na refeição uma fonte de vitamina C, que pode ser uma fruta cítrica como laranja ou limão, acerola, morango. Um jeito fácil de fazer isso é colocar meio limão fresco espremido na salada. “De quebra, a vitamina C também colabora para um melhor aproveitamento do zinco”, sugere.
Dica da nutri
Quando pensamos em uma refeição vegetariana, devemos nos atentar aos grupos alimentares que serão colocados no prato. De forma prática e ilustrada, devemos dividi-lo em três partes, sendo metade do conteúdo composto por hortaliças, e a outra metade dividida ao meio, sendo preenchida igualmente por cereais e leguminosas. Existem diversas opções dentro de cada grupo alimentar. Você pode variar sempre que possível, buscando a diversidade alimentar no seu dia a dia.
Leguminosas: ¼ do prato vegetariano
Todos os tipos de feijões (preto, carioca, azuki, branco, fradinho, roxo, moyashi, etc.);
Lentilhas, grão de bico, ervilhas, fermentados de leguminosas (tempê), derivados de soja.
Cereais, tubérculos e raízes: ¼ do prato vegetariano
Cereais: variados tipos de arroz (agulhinha, cateto, vermelho, negro, basmati, arbório, etc.), milho, centeio, aveia, cevada, painço. Os pseudocereais, como trigo sarraceno, quinoa e amaranto também podem ser incluídos aqui, mas apresentam um perfil nutricional um pouco diferente.
Tubérculos e raízes: mandioca, mandioquinha, cará, batata, inhame, batata doce.
A prioridade desta parte do prato são os cereais, pois garantem um melhor aporte de aminoácidos quando combinados com as leguminosas. Por isso, evite substituí-los totalmente por tubérculos e raízes e prefira os cereais em sua forma integral, pois dessa forma aproveitamos as vitaminas, minerais e fibras presentes na casca do grão.
Verduras e legumes: ½ do prato vegetariano
Verduras: agrião, alface, rúcula, escarola, almeirão, acelga, repolho, couve, folha de mostarda, endívia, etc.
Legumes: berinjela, brócolis, abobrinha, pimentão, chuchu, quiabo, couve-flor, pepino, palmito, etc.