Quando se fala em história musical, um dos nomes mais conhecidos no mundo é do alemão Ludwig van Beethoven. Autor de dezenas de obras, ele compôs clássicos reproduzidos até hoje. Você pode até não saber que a 9ª Sinfonia é a 9ª Sinfonia, mas se ouvi-la, vai identificar, com certeza.
O que talvez pouca gente sabe, é que Beethoven, durante a maior parte da vida, trabalhou sem um dos sentidos funcionando plenamente. O músico, nos últimos anos de vida, estava praticamente surdo e, para ‘ouvir’, se guiava pela vibração emitida pelos instrumentos e sentida, por exemplo, ao encostar a orelha no assoalho de casa.
Curiosamente, é a vibração que também guia os ouvidos deficientes de Paulo Roberto de Oliveira, 33 anos. O morador do bairro Gressler não conhecia a história do grande gênio da música mundial, mas como ele, não deixou de realizar seu sonho por causa dessa dificuldade. Paulo agora é DJ (disc jockey) profissional e espera, um dia, trabalhar só com música.

Antes de Phill, o Fio
O laudo médico descreve que no ouvido esquerdo ele tem uma perda auditiva neurossensorial profunda. Na prática, não escuta nada. Já no direito, tem uma perda considerada severa, portanto, ouve um pouco.
Essa deficiência só foi percebida quando tinha em torno de 4 anos. Na época, sem recursos e sem maior conhecimento, os pais de Paulo apenas consideravam que ele tinha um atraso na aprendizagem e na fala.
A miudez física associada às dificuldades de interação lhe renderam um apelido entre familiares e amigos. Por isso, desde pequeno, ele ficou conhecido como Fio. Hoje, adulto e pai de família, manteve o apelido, mas apenas na pronúncia. O Fio virou Phill e é assim que irá se apresentar quando participar de eventos como DJ.
Mas porque alguém que quase não escuta nada fez da música uma opção de vida? “Sempre foi meu sonho e não é só o som que é importante, mas a vibração”, explica Phill. Em outras palavras, ele diz que ‘sente’ as batidas da música eletrônica, sua favorita, e assim se orienta.
Em casa, quando está tocando, o único problema é convencer a filha Luísa, de 3 anos. “Ela reclama um pouco e fica com as mãos nos ouvidos, por causa do volume”, conta, entre risos. A menina, que ouve perfeitamente, é filha do Phill com a Suéllen, de 29 anos. A esposa é surda e se conheceram há 12 anos, durante uma festa para deficientes auditivos em Caxias do Sul.
ROTINA
O DJ tentou usar aparelhos auditivos até os 14 anos, mas não se adaptou. “Na verdade, no dia a dia, eu até prefiro o silêncio, porque a gente se acostuma à própria realidade”, revela. Phill trabalha há 10 anos como mecânico em uma indústria tabacaleira de Venâncio Aires e seu colega mais próximo também tem deficiência auditiva.
Em casa, com a esposa, a comunicação é através da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Inclusive a Luísa já arrisca os primeiros sinais com as mãos.

A primeira festa como profissional
O sonho de ser DJ ganhou corpo neste ano, quando fez um curso na Academia Internacional de Música Eletrônica (Aimec) de Porto Alegre. Foram quatro meses, indo e vindo de ônibus todos os sábados. Foi lá que ele usou o CDJ (Compact Disc Jockey), que é o aparelho utilizado por DJs. Mas um próprio, ele ainda não tem. Nas festas da família, é com um notebook que consegue ‘mixar’ e montar a sequência musical.
Neste sábado, 24, através de um iniciativa dele em parceria com a Sociedade dos Surdos do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, ele fará sua primeira apresentação profissional. Para isso, já formou sua própria equipe, entre amigos e familiares, para dar suporte técnico, assessoria, interpretação de Libras e até a parte financeira. “Vai ser uma noite mágica [esse é o nome da festa, aliás]. Para quem é ouvinte, imagina o barulho naquele lugar!”, projeta Phill.
Entre as músicas, o DJ revela que gosta dos hits de Michael Jackson, devido ao ritmo e batidas características da música pop, e Alok, o DJ brasileiro que ganhou o cenário internacional nos últimos anos.
PIONEIRO
Um DJ com algum tipo de deficiência, seja auditiva ou visual, não é necessariamente uma novidade no Rio Grande do Sul. Segundo o DJ e gerente da Aimec de Porto Alegre, Douglas Delgado, ele já trabalhou com outras pessoas nessas condições. No entanto, ele afirma, Phill é pioneiro por dois aspectos. “Ele foi o primeiro aluno da Aimec com uma intérprete de Libras e o primeiro que vai, de fato, erguer a bandeira da profissionalização. A iniciativa dele tem tudo para ganhar uma grande proporção”
Sentido
Segundo o DJ e gerente da Aimec de Porto Alegre, Douglas Delgado, em uma explicação mais técnica, o som se propaga pelo ar em várias frequências. Muitas delas não são percebidas pelo ouvido humano, mas quanto mais graves (como a música eletrônica), mas fácil de se captar. “Dizemos que é o som que não se escuta, mas que se sente.”