O ramo musical foi o primeiro a parar e será um dos últimos a retomar as atividades após o término da pandemia do novo coronavírus. Habituadas com rotinas corridas aos fins de semana, bandas precisaram encontrar meios para driblar a situação imposta pela crise econômica e sanitária da Covid-19.
Com eventos cancelados desde a segunda quinzena de março deste ano, quando foi estabelecido o decreto estadual e municipal com medidas de prevenção à Covid-19, o proprietário da banda Nova Estação, Daniel Henrique Trapp, 54 anos, vive uma nova realidade. Depois de riscar da agenda os mais de 40 eventos que estavam programados para os próximos meses, ele não hesita em dizer que as contas estão “se arrastando”.
Mesmo com os empecilhos impostos pela pandemia da Covid-19, não esconde o orgulho que sente da trajetória criada pela Nova Estação, que possui 28 anos de carreira. Tendo percorrido mais de 350 municípios gaúchos, são 11 pessoas envolvidas com o grupo venâncio-airenses. O proprietário da banda e operador de mesa de som destaca que, além dele, outros três integrantes vivem de recursos apenas da banda. “Nós contamos muito com a ajuda das pessoas. Na live que fizemos recentemente, conseguimos arrecadar cestas básicas que foram repassadas para os nossos integrantes e outras pessoas que precisavam”, pontua.
Natural de Jacarezinho, interior de Encantado, Trapp conta com a solidariedade de amigos e familiares para conseguir sobreviver nesse momento. “Eu não nego essas ajudas que estamos recebendo. As pessoas sabem que vivemos apenas da música, são 30 anos dedicados a essa carreira”, justifica. As ações de bondade são listadas e, recentemente, segundo ele, recebeu um cheque no valor de R$ 2 mil de um conhecido. “Ele me disse que era para pagar quando conseguisse, sem pressa. Peguei esse dinheiro e quitei algumas coisas que consegui”, ressalta. Além disso, outras quantias já foram destinadas para contribuir com a situação. Quantos às despesas que ficaram pendentes relacionadas a banda, ele garante que os fornecedores estão sendo bem compreensíveis. “Eles sabem da nossa situação”, reforça. Trapp também se cadastrou para receber o auxílio emergencial do Governo Federal e, agora, fica na esperança para a destinação dos recursos oriundos da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc que devem garantir R$ 510.728,56 para profissionais da cultura da Capital do Chimarrão.
Hermanos teve mais de 40 apresentações canceladas
A banda Os Hermanos é uma das mais conhecidas em Venâncio Aires. Com uma trajetória de 20 anos, o vocalista Paulinho do Vale conta que este era para ser o “ano da colheita”. No entanto, com a pandemia, o grupo conseguiu tocar apenas em 13 datas até o dia 15 de março, último fim de semana antes da publicação do decreto de calamidade pública, com as normativas em relação ao coronavírus.
Mesmo que todos os integrantes da banda possuam uma renda fixa além da música, os 41 eventos cancelados até o fim de agosto mudaram a rotina dos finais de semana. “Tocávamos sempre sábado à tarde e à noite e no domingo à tarde. Tínhamos só 11 datas livres para o ano”, ressalta.
Espera por recursos
- Integrando a União das Bandas de Baile do Rio Grande do Sul, criada no início da pandemia, em março, Ricardo Felipe Lenhardt explica que o grupo tem como objetivo buscar meios para auxiliar a classe no estado.
- “Nossa meta inicial era buscar linhas de créditos junto a bancos com carências significativas e juros subsidiados. No entanto, não fomos atendidos e agora lutamos para que a Lei Aldir Blanc beneficie de forma ética aqueles que realmente precisem de auxílio”, reforça Lenhardt.
- Em Venâncio Aires, a Secretaria Municipal de Cultura e Esportes já realiza um cadastro de artistas e entidades culturais, com intuito de organizar a destinação do auxílio.
- Artistas e entidades podem realizar o preenchimento de um cadastro via Google Docs nos endereços para artistas e para entidades culturais.
- Conforme o coordenador técnico da secretaria, Henrique da Silva, é importante que artistas, entidades culturais, bandas e empresas do setor realizem esse cadastro para que, juntamente com o Conselho Municipal da Cultura, possa ser traçado um plano de ações para os próximos dias, caso o recurso chegue. Até a quinta-feira à tarde, já haviam sido feitos 104 cadastros de artistas e 29 de entidades.
- Atualmente, são oito bandas ligadas à Associação de Músicos de Venâncio Aires. No entanto, Lenhardt acredita que existam mais de 30 no município.
Em meia à pandemia, um contorno na situação
O administrador e vocalista do Grupo Presença, Ricardo Felipe Lenhardt, 32 anos, conta que passou o primeiro mês da pandemia sem fazer nada, no entanto, viu que apenas esperar o período passar não seria positivo. “Eu estava acostumado com uma rotina corrida”, justifica. Ao auxiliar a mãe com a construção de um móvel para o banheiro, tudo mudou. “Eu fiz em madeira e coloquei uma foto no Facebook, logo algumas pessoas começaram a querer”, diz ele, que encontrou uma alternativa para conseguir quitar suas dívidas principais.
Mesmo sem saber muito sobre marcenaria, Lenhardt utiliza o aprendizado adquirido em um curso de seis horas feito há sete anos com um amigo. “Logo depois que fiz essa aula com ele, fiz os móveis para um ônibus, trabalho que também fiz no ônibus do Grupo Presença”, destaca.
Para ele, que também integra a Associação de Músicos de Venâncio Aires e a União das Bandas de Baile do Rio Grande do Sul, a perspectiva de retomada das atividades está para janeiro. “Mesmo que queiramos que tudo volte ao normal logo, precisamos entender que seremos os últimos a voltar”, pontua.
Lenhardt destaca que 2020 era para ser um ano bom para a música. Para o Grupo Presença, por exemplo, havia expectativa de crescimento financeiro em comparação a anos anteriores. “Mas em questão de 48 horas, tivemos três meses de agenda cancelados”, lamenta.
O músico reconhece que, quando a retomada das atividades acontecer, haverá uma concorrência ainda maior. “As pessoas vão ter toda uma cadeia de artistas disponíveis para trabalhar”, observa. Afora isso, haverá uma demora para estabilizar a situação financeira dos grupos musicais. “Bandas mais conhecidas poderão se recuperar em dois meses, mas as menores podem levar até um ano”, analisa.
“Todas as bandas estão afetadas em 100% do seu trabalho.”
RICARDO FELIPE LENHARDT – Administrador e vocalista do Grupo Presença
Para o Musical Star, a ‘gotinha’ que faltava para encerrar as atividades
Para alguns, a pandemia foi decisiva para a tomada de decisões. No caso do Musical Star, de
Venâncio Aires, não foi diferente. Segundo o sócio-proprietário Ricardo Weiss dos Santos, a banda teve uma carreira de cinco anos, mas a ideia de cessar as atividades já vinha sendo debatida entre os integrantes há algum tempo e acabou acontecendo, por conta da pandemia.
Hoje, com as atividades da banda encerradas, ele destaca que todos os componentes do grupo possuem alguma renda principal e, em decorrência da pandemia que afetou todos os setores e, dentre eles, o da música, optou-se pelo término das atividades da banda. “No início, era para ser apenas uma brincadeira e acabou virando algo sério”, relembra. No entanto, Santos não descarta a possibilidade de um novo projeto na área musical após a pandemia.
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