A Folha do Mate publicou no sábado, 17, a primeira parte da entrevista com a patrona da Feira do Livro de Venâncio Aires, Martha Medeiros. Hoje, na sequência, a escritora fala de sua obra. Das crônicas e adaptações até seu livro mais recente.
Folha do Mate: A maior parte da sua obra é composta por crônicas, escritas a partir de temas gerais, humanos e cotidianos. Mas tem algum assunto que você já evitou falar nos seus textos? Ou que você ainda gostaria de escrever sobre?
Martha Medeiros: Já se vão 26 anos escrevendo crônicas todas as semanas, sem parar. Mais de 2 mil textos, creio que até mais. Já abordei centenas de assuntos, nem sei se ficou faltando alguma coisa. Em termos gerais, não me abstenho de opinar sobre nada, mas meus sentimentos mais íntimos não foram para as páginas dos jornais. Estes reservo para as ficções e a poesia, onde posso tratá-los de uma forma menos banalizada, e ainda assim, é provável que alguns deles fiquem guardados para sempre dentro de mim.
Nas adaptações feitas a partir de suas obras, você acompanhou a criação dos roteiros? E destes, qual é sua adaptação favorita?
Quando começaram a adaptar meus textos para o teatro, eu procurava ficar ausente do processo para dar liberdade à equipe. Sabia “por cima” o que estava sendo feito, mas confiava na direção e no elenco, e só no dia da estreia é que realmente conhecia o produto final. Na peça mais recente, “Simples Assim”, me envolvi um pouco mais, conversei com a adaptadora, assisti as primeiras leituras, mas continuo preferindo não dar muitos pitacos. A obra adaptada sempre ficará diferente do texto original e tudo bem, teatro é uma arte dinâmica, viva, que envolve muita gente, é assim mesmo. Tive sorte, gostei de todas as adaptações, mas tenho um carinho especial pelos monólogos baseados no meu livro de cartas “Tudo que eu queria te dizer” (as cartas femininas foram interpretadas por Ana Beatriz Nogueira e as masculinas pelo Emilio Orciollo). Talvez por serem apenas eles, sozinhos no palco, senti minha voz menos alterada, meu texto mais íntegro.
‘A claridade lá fora’ foi publicado recentemente. Desde ‘Divã’, há 18 anos, o que mudou na Martha escritora de romances?
“A claridade lá fora” é um livro narrado na terceira pessoa e que já tinha toda a estrutura construída antes de eu transformá-lo em literatura – foi feito a partir de um roteiro de cinema que escrevi em 2017. Então é muito diferente do Divã, de Fora de Mim e outros livros narrados em primeira pessoa, pois não me “apropriei” dos personagens: eu contei a história a distância. Foi uma evolução. Sem dúvida é o meu melhor livro de ficção, o mais maduro, o mais rico em humanidade. O que não impede que eu volte à primeira pessoa em trabalhos futuros, pois também acho genial “ser” a personagem, ser levada por ela, sem saber direito onde a história vai dar.
E a Martha leitora? Tem algum livro favorito ou que lhe marcou muito?
É sempre difícil selecionar um livro favorito, marcante, pois são tantos… Mas destaco “Morangos Mofados”, de Caio Fernando Abreu, que li aos 21 anos. Ali, um novo mundo se abriu para mim. O despudor e o lirismo juntos no mesmo texto, em total intimidade – aquilo me encantou. Caio se revelava e, ao mesmo tempo, despia seus leitores. Tive vontade de fazer o mesmo e, três anos depois, aos 24, lancei meu primeiro livro de poemas, que não por acaso se chamou Strip-Tease. Escrever, de certa forma, é se desabotoar em público.
Em entrevista à rádio Terra FM, de Venâncio Aires, você comentou da sua relação com a cidade devido ao vínculo de sua mãe e avô. Se não fosse a pandemia, seria a oportunidade de conhecer o município. Já pensou quando essa visita pode acontecer?
Já havia sido convidada para a feira de Venâncio Aires em outras ocasiões e a agenda nunca permitiu. Agora que seria possível, a pandemia veio nos prender em casa. Mas outras feiras virão, quem sabe ano que vem? Quero muito conhecer a cidade onde minha mãe viveu durante a infância e que gerou tantas boas lembranças. Ela hoje tem 82 anos e ainda fala, com os olhos brilhando, sobre essa época boa da vida.