Como está o cenário da produção de erva-mate em Mato Leitão

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Historicamente, a erva-mate tem grande representatividade para Mato Leitão e o município vizinho de Venâncio Aires, do qual a Cidade das Orquídeas era distrito antes de se emancipar, ambos integrantes do polo ervateiro da região dos Vales. Com o passar dos anos, no entanto, a cultura passou por algumas dificuldades, como a desvalorização do preço pago e até mesmo a falta de investimentos para melhorar a qualidade da matéria-prima.

Segundo o extensionista rural da Emater/RS Ascar, Rudinei Pinheiro Medeiros, há quatro anos, era comum ver vários produtores do município arrancarem ervais inteiros. Entretanto, nos últimos dois anos foi possível perceber que alguns agricultores investiram mais intensamente no replantio de mudas que foram atacadas por algum tipo de broca [principal problema da cultura] ou de plantas que morreram. “A cultura teve uma queda, mas ainda está bem presente, enraizada no município”, avalia.

Características

De acordo com Medeiros, uma das principais características dos ervais de Mato Leitão é o plantio consorciado com culturas anuais, em especial milho, aipim, moranga cabotiá e feijão, esse último em menor quantidade. Ele explica que isso acontece, principalmente, porque na Cidade das Orquídeas as propriedades são menores e o agricultor busca o aproveitamento do espaço.

Outro ponto que facilita para que isso aconteça é a presença de áreas planas e solo argiloso, o que permite o cultivo nas entre linhas e a mecanização necessária para manter os cuidados com as culturas anuais, diferentemente do que acontece em outros municípios como Arvorezinha, Ilópolis, Fontoura Xavier e Itapuca, onde há mais presença de morros e solos pedregosos.

Extensionista da Emater, Rudinei Pinheiro Medeiros fala sobre a representatividade da erva-mate em Mato Leitão (Foto: Taís Fortes/Arquivo FM)

Conforme o extensionista da Emater, a principal vantagem dos ervais solteiros [onde é cultivado apenas erva-mate] é o aumento da produção e da produtividade, porque será possível plantar um maior número de mudas por hectare, uma vez que o espaçamento entre linhas não é tão grande. Medeiros ainda alerta que o principal cuidado que se deve ter com os ervais consorciados é em relação ao manejo das culturais anuais, como o uso de tratores, rotativas ou arados, para não danificar o pé de erva.

Outro aspecto característico da Cidade das Orquídeas em relação à produção da erva-mate é a existência de ervais antigos, alguns que ultrapassam 50 anos. “O avó plantou, o filho trabalhou e agora tem ervais que o neto já está trabalhando. Isso mostra a importância cultural e social que a erva-mate tem na questão do êxodo rual. Ela está presente nessa questão da sucessão familiar”, destaca o extensionista da Emater.

Além disso, no município, praticamente só se tem ervais plantados, não é comum a presença de ervais nativos. Produtores de erva-mate de Mato Leitão participam da Associação dos Produtores de Erva-Mate do Polo Ervateiro dos Vales (Aspemva).

Investimentos para o cultivo da erva-mate

Para o extensionista rural, é muito importante que o produtor olhe para a erva-mate como uma cultura agrícola e não somente como mais uma atividade na propriedade. Ele ressalta a necessidade do agricultor investir em cuidados com a planta, assim como acontece com outras culturas, como o milho, a soja e o trigo. “O produtor de erva-mate que quer ter uma produção boa vai ter que adubar, fazer análise de solo, controle de pragas e cuidar da qualidade da muda que é comprada. Precisa olhar essa cultura como rentável, não apenas como extrativismo”, salienta.

Medeiros relata que o trabalho de extensão da Emater realizado no município é voltado à qualidade de solo, assistência no plantio, qualidade das mudas e trabalho com coberturas de solo para o inverno e para o verão. “O caminho para continuar trabalhando com a erva-mate é o produtor ser cada vez mais técnico. Ele precisa investir para que a matéria-prima chegue na ervateira com qualidade, para ele ter uma remuneração melhor e a empresa conseguir passar essa erva adiante. Hoje, o consumidor quer cada vez mais um produto, em todos os segmentos, seja de origem animal ou vegetal, de qualidade”, avalia.

Vendas da erva-mate

• Segundo Rudinei Pinheiro Medeiros, a produção de erva-mate de Mato Leitão é comercializada, principalmente, para indústrias do município e de Venâncio Aires. Ele explica que a erva da Cidade das Orquídeas, por ter um gosto mais amargo e ser mais forte, é vendida para outros estados e até mesmo países, e utilizada, em especial, para o tererê.

Programa Gaúcho

• Presente nos cinco polos ervateiros do Rio Grande do Sul, o Programa Gaúcho para Qualidade e Valorização da Erva-mate busca mostrar a importância econômica, social e histórica da erva-mate no estado. A iniciativa também oferece suporte para viveiristas, produtores e indústrias do ramo, com a oferta de cursos de boas práticas.

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Saiba mais

  • De 125 a 130 é a quantidade de hectares com cultivo de erva-mate em Mato Leitão.
  • De 70 a 80 produtores trabalham com cultivo da erva-mate no município.

Além de atividade econômica, uma herança familiar

Em Vila Santo Antônio, em uma área de 16,4 hectares, André Hackenhaar, 36 anos, morador de Bento Gonçalves, e o pai Cyro Hackenhaar, 80 anos, que residente em Linha Travessa, no interior de Venâncio Aires, se dedicam ao cultivo de erva-mate. Além de uma atividade econômica, a plantação se tornou uma herança familiar.

André conta que desde criança conhece a cultura, por causa do trabalho do pai. “É uma herança cultural que ele está me deixando. Meu pai sempre trabalhou com erva-mate, desde quando ele era criança. Passou por todas as etapas – colheita, armazenamento, já fez mudas de erva e sementes. Tem muita experiência. Eu cresci observando isso e fui adquirindo o gosto”, compartilha.

Foi em 2013 que o morador da Serra gaúcha resolveu apoiar de forma mais intensa o pai com o cultivo da erva-mate. Na época, eles fizeram uma adaptação no erval, que já era antigo, e revitalizaram algumas plantas. De acordo com André, uma das mudanças feitas na propriedade foi o adensamento do plantio.

Assim, antes mudas que eram plantadas com espaçamento de 5 metros entre linhas hoje estão sendo cultivadas com uma distância de 2,5 metros. “Isso aumenta o rendimento”, explica. Atualmente, pai e filho cultivam, juntos, 36 mil pés de erva-mate. Os dois ainda têm uma área de 1,6 hectare em Linha Travessa, no interior de Venâncio onde há pés de erva plantados. A erva-mate produzida por Cyro e André é totalmente vendida para a ervateira B1, de Vila Santa Emília, interior da Capital do Chimarrão.

Para André, além do fator econômico e cultural, a erva-mate tem grande importância para o ecossistema, como para a preservação do solo ao evitar erosão. Ele também menciona que o principal gargalo na produção da cultura é oferta de mão de obra qualificada para a poda.

Conhecimento

O produtor ainda ressalta a importância da busca por tecnologia e a visita a outros polos ervateiros, para conhecer maneiras diferentes de trabalhar e buscar maior produtividade. Além disso, ele cita a relevância do trabalho realizado pela Emater, na assistência oferecida ao produtor. “Busco mostrar que a erva-mate pode dar rentabilidade, motivar os pequenos agricultores a verem que não é preciso abandonar totalmente essa produção”, compartilha.

Em homenagem ao trabalho realizado pelo pai neste segmento, André criou uma página no Facebook e um perfil no Instagram chamado Sítio de Erva-Mate Cyrocela, onde divulga boas práticas de plantação, experimentos com plantio e técnicas de manejo que aprende e aplica na propriedade.

Programa municipal de fomento à cultura da erva-mate

cenário da erva-mate em Mato Leitão
Vereador Zeca Rodrigues apresentou proposta de criar um programa municipal de fomento à cultura da erva-mate no Legislativo (Foto: Cristiano Wildner/Terra FM)

Em maio, o vereador José Eliseu Rodrigues da Silva, o Zeca Rodrigues (PDT), indicou na Câmara de Vereadores, a criação de um programa municipal para fomentar a cultura da erva-mate no município novamente. Na época, ele ressaltou que para aumentar a produção é necessário que o poder público estimule o plantio.

Em entrevista à Folha de Mato Leitão, Rodrigues relatou que a cultura da erva-mate faz parte de suas raízes, porque os bisavós, tanto maternos quanto paternos, já trabalhavam com a cultura. O avô e o pai deram continuidade ao trabalho e hoje ele ainda mantém o cultivo da planta de forma consorciada com o milho e o aipim em uma área de cinco hectares. “É uma fonte de renda para o agricultor e para o município”, destacou.

O morador de Vila Santo Antônio ainda percebe que essa matéria-prima está sendo extinta na região, mas a cultura do chimarrão continua. “A ideia é a Prefeitura criar um incentivo para a encomenda e o transporte de mudas de erva-mate nativa para serem plantadas no município, na beira de estradas, rumos de agricultores e em algumas áreas não mecanizadas, o que não atrapalha o cultivo de outras culturas”, explicou.

O vereador ainda lembrou que na época que Mato Leitão ainda era um distrito de Venâncio Aires a erva-mate era o carro-chefe de muitos agricultores de Vila Santo Antônio, que tem como característica a terra vermelha, que favorece o cultivo da erva. “O auge foi nas décadas de 70, 80 e 90”, relembrou. Rodrigues também salientou que avalia como muito positivo o cultivo da erva-mate para a geração de emprego.

Processo de fabricação da erva-mate

A Camargo Indústria de Erva-mate Eireli, instalada em Mato Leitão, trabalha com a erva-mate cancheada. Segundo o proprietário da empresa, Vilmar Camargo, 50 anos, a indústria compra erva de produtores de Venâncio Aires e de Mato Leitão. Na Capital Nacional do Chimarrão, a matéria-prima é adquirida, principalmente, de agricultores de Linha Travessa, Vila Santa Emília e Linha 17 de Junho. Na Cidade das Orquídeas, a principal região fornecedora é Vila Santo Antônio.

cenário da erva-mate em Mato Leitão
Camargo Indústria de Erva-mate recebe a matéria-prima dos produtores e faz o processo de sapecagem e secagem (Foto: Taís Fortes/Folha do Mate)

O período com maior fluxo de vendas é de abril a setembro. Entre setembro e janeiro há queda na comercialização. O produto, que passa pelo processo de sapecagem e secagem no local, é vendido para indústrias de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e para o Uruguai em sacos que variam entre 20 e 30 quilos.

Essas empresas finalizam o processo de beneficiamento e embalam a erva-mate, que é utilizada, normalmente para o tererê ou para o chimarrão uruguaio. Há cerca de 90 dias, a indústria localizada no município também iniciou a venda de erva-mate com uma marca própria, a Via Mate. Camargo explica que a matéria-prima é comprada de produtores de Arvorezinha e Ilópolis, que pertencem ao polo ervateiro do Alto Taquari.

No momento, a erva vem embalada desses municípios, mas a ideia é que entre outubro e novembro, esse processo aconteça em Mato Leitão. Os pacotes de erva-mate ainda não estão sendo vendidos em mercados, apenas na sede da indústria, localizada no Centro, mas o plano é expandir a comercialização para esses estabelecimentos.

Biomate

Instalada há quase quatro anos em Mato Leitão, a Biomate também faz parte da cadeia da erva-mate existente no município. O proprietário Donato Roni Dreissig explica que a empresa compra matéria-prima do Paraná e na Cidade das Orquídeas realiza a moagem, mistura e empacotamento. Há três meses, o empreendimento passou a funcionar no quilômetro 17 da RSC-453, próximo ao Paradouro Biomate.

cenário da erva-mate em Mato Leitão
Há três meses, a ervateira Biomate passou a funcionar às margens da RSC-453 (Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate)

Segundo Dreissig, são embaladas de 14 a 15 toneladas de erva mensalmente pela Biomate, abrangendo os 18 produtos – oito sabores de tererê, três compostos para chimarrão, duas variedades de 500 gramas e quatro de um quilo. Neste mês, o empreendimento também lançou um tipo de erva-mate premium, que é embalada a vácuo.
Além disso, a empresa trabalha com o empacotamento do produto para 16 ervateiras – 14 do Rio Grande do Sul, uma de Santa Catariana e uma do Paraná. “O cliente envia a erva mate, nós saborizamos para o tererê ou erva para chimarrão com chá e embalamos”, relata. A projeção de Dreissig é o que número de empresas atendidas neste formato aumente neste ano.

O mercado de vendas dos produtos da Biomate é focado em Mato Leitão, Venâncio Aires, Santa Cruz do Sul e no Litoral. Os principais pontos de comercialização são os supermercados, a loja própria (Paradouro Biomate) e direto na fábrica. De acordo com Dreissig, que administra a empresa juntamente da esposa Marciane Zarth, a compra de erva-mate do Paraná está relacionada à qualidade da matéria-prima e escassez do produto na região.

Turismo

Há nove meses em funcionamento em Mato Leitão, o Paradouro Biomate é um empreendimento que busca divulgar a cadeia da erva-mate, a partir da comercialização do produto e de itens utilizados na preparação do chimarrão. Localizado às margens da RSC-453, o local também está se consolidando como um ponto turístico da Cidade das Orquídeas.

Conforme o sócio-proprietário do local, André Ricardo Franceschi, a ideia de criar o espaço também tem relação com a representatividade da erva-mate para Mato Leitão e o município vizinho de Venâncio Aires, principalmente no passado.

cenário da erva-mate em Mato Leitão
André Franceschi fala sobre o trabalho realizado no Paradouro Biomate (Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate)

Franceschi explica que o paradouro está localizado no trajeto que liga a região central à Serra, recebendo um público diferente de quem está instalado na RSC-287, que tem um tráfego maior no sentido Centro e Capital. “Nossa ideia é nos tornamos um ponto marcante no município. A rodovia tem muito fluxo, nos surpreendemos”, ressalta.

A erva-mate Biomate é o carro-chefe das vendas do paradouro. No entanto, no local também são vendidos produtos coloniais, artigos de churrasco e chimarrão, artesanato, mudas da flor rosa do deserto, do viveiro localizado em Mato Leitão, vasos e outros artigos para ornamentação. “Queremos aproveitar para divulgar o que é feito aqui”, complementa.

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Taís Fortes

Taís Fortes

Repórter da Folha do Mate responsável pela microrregião (Mato Leitão, Passo do Sobrado e Vale Verde) e integrante da bancada do programa jornalístico Terra em Uma Hora, da Terra FM

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